Por Paula Montero, para o Valor, de São Paulo26/06/2009
"Feridos em Nome de Deus" - Marília de Camargo César
Editora Mundo Cristão, 155 págs., R$ 19,90
Anna Carolina Negri / Valor
Marília de Camargo César, editora-assistente do "Valor", escreve sobre a cisão que aflige o evangelismo brasileiro
O livro de Marília de Camargo César se apresenta como uma reportagem sobre pessoas que foram desiludidas por seus pastores evangélicos. Nos seis casos que dão sustentação à sua narrativa, podemos perceber características em comum. Com exceção da experiência de Sandra, pastora de origem simples que consegue ganhar projeção e adeptos em outras classes, as histórias privilegiam jovens profissionais com formação universitária e futuro promissor que, após crise pessoal, abandonam o emprego e passam a dedicar-se aos trabalhos da igreja sem receber, em contrapartida, o reconhecimento do pastor e a ascensão esperada na carreira religiosa.
O livro expressa a cisão que aflige o evangelismo brasileiro, separando os protestantes históricos - batistas, presbiterianos e calvinistas - e os pentecostais e neopentecostais. Em quase todos os casos os personagens têm formação religiosa mais tradicional, na qual a salvação depende do perseverar em uma vida íntegra, e foram em busca de uma religiosidade mais alegre e emocional, em que encontraram provisoriamente conforto para suas emoções. A questão que move o relato é a perplexidade da autora diante do fato de que pessoas de boa formação e capazes de espírito crítico se tenham colocado nas mãos de pastores pentecostais, abandonando a autonomia pessoal.
Para responder a ela, o texto recorre a vozes de numerosos especialistas, preponderantemente teólogos e pastores, todos "escolhidos por sua boa reputação", esclarece a autora, e ligados ao protestantismo histórico. O que é interessante nos relatos desses experts é a tentativa de construir uma figura parajurídica para definir o que fazem os pastores pentecostais: o "abuso espiritual". Espelhado na categoria jurídica de "assédio moral", o "abuso espiritual" é definido como "o encontro de uma pessoa forte com uma fraca, em que a forte usa o nome de Deus para influenciar a fraca e levá-la a tomar decisões que acabam por diminuí-la física, material ou emocionalmente".
Na prática, isso significa devoção e obediência sem questionamentos ao pastor e ser manipulado para doar bens e valores ou trabalho sem contrapartida. Está implícita nessa definição que seria necessário regular os limites éticos dessas doações como fazem as empresas.
Na tentativa de compreender por que o pentecostalismo, apesar disso, se expande em todas as camadas sociais, em detrimento do protestantismo histórico, os teólogos apontam para seus aspectos mágicos e proféticos. Para o pastor Ed René Kivitz, que dirige a Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, em muitas igrejas pentecostais os pastores se tomam por profetas, mediadores entre os homens e Deus. A atmosfera mística dos cultos, com pregações contundentes e orações em línguas estranhas, estimula essa percepção. Com certa acuidade, Kivitz percebe que o pentecostalismo e, em seguida, o neopentecostalismo "abrasileiraram" o protestantismo histórico; o pentecostalismo recuperou o profetismo que alimentou tantos movimentos religiosos desde o fim do século XIX no Brasil, atraindo, assim, egressos do catolicismo; em um segundo momento, o neopentecostalismo se apropriou das forças mágicas das religiões afro-brasileiras e fez do exorcismo e da possessão elementos centrais dos rituais de cura, atraindo pessoas de todos os horizontes.
Nesse sentido, essas igrejas são uma pedra no sapato dos protestantes históricos: envergonham uma fé orientada para a autonomia individual, boa formação teológica de pastores e fieis e, sobretudo, para uma leitura da "Bíblia" sem intermediários da palavra. Ressentem-se com o fato de que a carreira de pastor virou sinônimo de oportunismo e picaretagem.
O mais interessante aqui é que, na tentativa de formular uma figura jurídica que possa ser útil para impor regras que controlem a autonomia religiosa desses pastores, lançam mão de categorias que o Estado brasileiro e a Igreja Católica usaram para criminalizar as práticas de cura de feiticeiros e pais de santo até o século XX: idolatria, falsa doutrina, fanatismo e charlatanismo. Com o tempo, essas práticas foram aceitas como parte da cultura brasileira e de sua variedade religiosa. Por que, então, os pentecostais incomodam? Não há aqui resposta simples. Mas é claro que a associação entre misticismo, magia e meios sofisticados de comunicação engendrou poderosa máquina de arrecadação financeira. E nossa tradição católica ensinou que dinheiro e religião não combinam. Seu relato esclarece, em parte, uma tendência já bem consolidada pelos estudiosos do tema: a desinstitucionalização da religião.
Paula Montero é professora titular da USP e presidente do Cebrap
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Cara Marília,
ResponderExcluirLí o livro, em poucas horas, realmente é muito bom, a seriedade e o cuidado com o tema são a tônica desta obra. A única exceção é o "depoimento" da Pra. Sandra(uma piada) mas você é jornalista e precisa "transcrever" o que o entrevistado diz, não cabe a você julgar precisa manter-se isenta. Mas quem conviveu com esta pessoa sabe que trata-se de mais uma "personagem" que ela acaba de criar (uma mulher frágil e arrependida). Mas excetuando esta farsa, vinda de alguém que conhecemos bem. Parabéns por tudo, principalmente pelo cuidado de reunir profissionais isentos para nos abrir os olhos, ampliar nossos horizonte, enfim ensinar mais sobre nós mesmos.
Muito obrigado !
Cara Marília,
ResponderExcluirO tema que você aborda nesse livro é de suma importância, nos dias de hoje em que há uma crise de credibilidade, seriedade e honestidade no meio evangélico. Sou cristão evangélico pentecostal e a pouco mais de seis meses passei por situações tristes, narradas nesse resumo de seu livro, em uma das milhares de denominações pentecostais que se declaram cristãs e nem ao menos agem como o Senhor Jesus Cristo. Estou em processo de transferencia para a Igreja Presbiteriana Independente e passo, agora (uma semana), por grave transição, dolorosa e difícil. Talvez, infelizmente, pelo despreparo de sua liderança em lidar com um cristão, gravemente, ferido. O que está havendo? Você pode me ajudar? Vou adquirir seu livro e tentar entender tamanho desprezo e descaso.
Que DEUS PAI a abençoe por esta iniciativa de tocar em tão delicado, mas pertinente, tema.
Cara Marília ,
ResponderExcluirExcelente texto !!!!
A Bíblia é um forte instrumento na mão de falsos profetas , que mesmo tendo pouca ou nenhuma cultura criam pequenos reinos de mentira e aflição.
a verdade de seus escritos caracterizara a igreja dos ultimos tempos com apostasia do seu cristo e de sua doutrina preferindo ser levados pelas doutrinas de pseudos mestres!!
ResponderExcluirparabens!!!1
estou terminando de escrever o rascunho de meu livro DEUS NO DIVÃ
JÁ IMAGINO O QUE DEUS CONFIDENCIARIA SRSR
PARABÉNS PELO TRABALHO!!!!
coloquei no me blog o convite do lançamento do seu livo
ResponderExcluirse houver algum problema comunique me apesar que tinha que pedir antes
desculpe
obrigado!!
Otimo livro, estou louco para ler, por que são livros assim que aboradam assuntos criticos que nos faz refletir melhor sobre se estamos ou não fazendo a obra de Crist aqui na terra.
ResponderExcluirPor que a partir daí perguntamos algo mais...
será que adoramos a Deus de maneira correta?
será? as vezes creio que não. muito otimo seu livro parabens.
Marília,
ResponderExcluirParabéns !!!! 5.000 livros vendidos em 48 horas !!!! Como o Senhor nos fala em Romanos :
12:2 E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.
12:6 De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé;
12:7 Se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino;
12:8 Ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria
12:9 O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem.
Deus te abençoe muito por compartilhar conosco seu dom, abençoado e respaldado pela Palavra do Senhor !!!!
Um abraço
ELiana
Vale a pena ler seus relatos!
ResponderExcluirComo ex participante da mesma comunidade, vejo que ainda esperamos encontrar a mesma atmosfera do Espirito que tinhamos lá, mas com pastores curados!
Vemos uma pastora extremamente adoecida no seu complexo emocional, e um pastor co-dependente desta patologia!
Misericordia!
Que Deus possa agir e nós possamos nos libertar completamente de desejar algo parecido!
O que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram ... é o que Deus tem preparado para aqueles que o amam!
O Senhor terá algo NOVO para cada um de nós!
Deus abençoe a sua profunda avaliação dos fatos!
Amei seu livro, principalmente a INTRODUÇÃO. Demonstra o quanto vc Cresceu Nele!
Avance!
bjs
Cara Marilia:
ResponderExcluirEscrevo em Portugues sem acentos graficos; meu laptop nao os tem. Pretendo incorporar seu livro num rol de discussoes em minha pequena comunidade aqui nos Estados-Unidos. Minha formacao Reformada (I.P.I.) agradece sua colaboracao para o esclarecimento de brasileiros que padecem das aflicoes narradas em seu livro. Incrivel, ate' isso o Brasil exporta pra ca'...
A verdade é que esse livro veio no momento certo em minha vida assim como todas as outras coisas q Deus faz, pois , vivendo eu num momento onde já não mais aguento as circunstâncias sendo massacrada por uma liderança e infelizmente muitas vezes culpando Deus e entrando no meu mundinho, antes era conhecida por não parar não desistir mais agora não encontoro forças para sair desa situação.
ResponderExcluirOlá, o assunto do seu livro muito me interessa,
ResponderExcluirhoje meu marido está desviado(cético) de tanto não olhar o ALVO CERTO.
Gostaria de saber apesar do preço não ser alto, mas se pretende liberar para download completo no MC.
Pergunto, pois sempre comprei muitos livros, quando tinha minha própria renda e trabalhava no ministério, mas hoje não posso contar com o dinheiro do meu Marido para isso.
vonedu@gmail.com (Marivone)