segunda-feira, 29 de junho de 2009

Matéria na Revista Época

26/06/2009 - 15:06 - Atualizado em 27/06/2009 - 00:11
“Há abusos em nome de Deus”
Jornalista relata os danos do assédio espiritual cometido por líderes evangélicos
Kátia Mello
A igreja evangélica está doente e precisa de uma reforma. Os pastores se tornaram intermediários entre Deus e os homens e cometem abusos emocionais apoiados em textos bíblicos. Essas são algumas das afirmações polêmicas da jornalista Marília de Camargo César em seu livro de estreia, Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão), que será lançado no dia 30. Marília é evangélica e resolveu escrever depois de testemunhar algumas experiências religiosas com amigos de sua antiga congregação.

ENTREVISTA - MARÍLIA DE CAMARGO CÉSAR

QUEM É Marília de Camargo César, 44 anos, jornalista, casada, duas filhasO QUE FEZEditora assistente do jornal O Valor, formada pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero O QUE PUBLICOUSeu livro de estreia é Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão)
ÉPOCA – Por que você resolveu abordar esse tema?
Marília de Camargo César – Eu parti de uma experiência pessoal, de uma igreja que frequentei durante dez anos. Eu não fui ferida por nenhum pastor, e esse livro não é nenhuma tentativa de um ato heroico, de denúncia. É um alerta, porque eu vi o estado em que ficaram meus amigos que conviviam com certa liderança. Isso me incomodou muito e eu queria entender o que tinha dado errado. Não quero que haja generalizações, porque há bons pastores e boas igrejas. Mas as pessoas que se envolvem em experiências de abusos religiosos ficam marcadas profundamente.
ÉPOCA – O que você considera abuso religioso?
Marília – Meu livro é sobre abusos emocionais que acontecem na esteira do crescimento acelerado da população de evangélicos no Brasil. É a intromissão radical do pastor na vida das pessoas. Um exemplo: uma missionária que apanha do marido sistematicamente e vai parar no hospital. Quando ela procura um pastor para se aconselhar, ele diz: “Minha filha, você deve estar fazendo alguma coisa errada, é por isso que o teu marido está se sentindo diminuído e por isso ele está te batendo. Você tem de se submeter a ele, porque biblicamente a mulher tem de se submeter ao cabeça da casa”. Então, essa mulher pede um conselho e o pastor acaba pisando mais nela ainda. E usa a Bíblia para isso. Esse é um tipo de abuso que não está apenas na igreja pentecostal ou neopentecostal, como dizem. É um caso da Igreja Batista, que tem melhor reputação.
ÉPOCA – Seu livro questiona a autoridade pastoral. Por quê?
Marília – As igrejas que estão surgindo, as neopentecostais (não as históricas, como a presbiteriana, a batista, a metodista), que pregam a teologia da prosperidade, estão retomando a figura do “ungido de Deus”. É a figura do profeta, do sacerdote, que existia no Antigo Testamento. No Novo Testamento, Jesus Cristo é o único mediador. Mas o pastor dessas igrejas mais novas está se tornando o mediador. Para todos os detalhes de sua vida, você precisa dele. Se você recebe uma oferta de emprego, o pastor pode dizer se deve ou não aceitá-la. Se estiver paquerando alguém, vai dizer se deve ou não namorar com aquela pessoa. O pastor, em vez de ensinar a desenvolver a espiritualidade, determina se aquele homem ou aquela mulher é a pessoa de sua vida. E ele está gostando de mandar na vida dos outros, uma atitude que abre um terreno amplo para o abuso.
ÉPOCA – Você afirma que não é só culpa do pastor.
Marília – Assim como existe a onipotência pastoral, existe a infantilidade emocional do rebanho. A grande crítica de Freud em relação à religião era essa. Ele dizia que a religião infantiliza as pessoas, porque você está sempre transferindo suas decisões de adulto, que são difíceis, para a figura do pai ou da mãe, substituí­dos pelo pastor e pela pastora. O pastor virou um oráculo. Assim é mais fácil ter alguém, um bode expiatório, para culpar pelas decisões erradas.
ÉPOCA – Quais são os grandes males espirituais que você testemunhou?
Marília – Eu vi casamentos se desfazer, porque se mantinham em bases ilusórias. Vi também pessoas dizendo que fazer terapia é coisa do diabo. Há pastores que afirmam que a terapia fortalece a alma e a alma tem de ser fraca; o espírito é que tem de ser forte. E dizem isso apoiados em textos bíblicos. Afirmam que as emoções têm de ser abafadas e apenas o espírito ser fortalecido. E o que acontece com uma teologia dessas? Psicoses potenciais na vida das pessoas que ficam abafando as emoções. As pessoas que aprenderam essa teologia e não tiveram senso crítico para combatê-la ficaram muito mal. Conheci um rapaz com muitos problemas de depressão e de autoestima que encontrou na igreja um ambiente acolhedor. Ele dizia ter ressuscitado emocionalmente. Só que, com o passar dos anos, o pastor se apoderou dele.
ÉPOCA – Qual foi a história que mais a impressionou?
Marília – Uma das histórias que mais me tocaram foi a de uma jovem que tem uma doença degenerativa grave. Em uma igreja, ela ouviu que estava curada e que, caso se sentisse doente, era porque não tinha fé suficiente em Deus. Essa moça largou os remédios que eram importantíssimos no tratamento para retardar os efeitos da miastenia grave (doença autoimune que acarreta fraqueza muscular). O médico dela ficou muito bravo, mas ela peitou o médico e chegou a perder os movimentos das pernas. Ela só melhorou depois de fazer terapia. Entendeu que não precisava se livrar da doença para ser uma boa pessoa.
“O pastor está gostando de mandar na vida dos outros e receber presentes. Isso abre espaço para os abusos”
ÉPOCA – Por que demora tanto tempo para a pessoa perceber que está sendo vítima?
Marília – Os abusos não acontecem da noite para o dia. No primeiro momento, o fiel idealiza a figura do líder como alguém maduro, bem preparado. É aquilo que fazemos quando estamos apaixonados: não vemos os defeitos. O pastor vai ganhando a confiança dele num crescendo. Esse líder, que acredita que Deus o usa para mandar recados para sua congregação, passa a ser uma referência na vida da pessoa. O fiel, por sua vez, sente uma grande gratidão por aquele que o ajudou a mudar sua vida para melhor. Ele quer abençoar o líder porque largou as drogas, ou parou de beber, ou parou de bater na mulher ou porque arrumou um emprego. E começa a dar presentes de acordo com suas posses. Se for um grande empresário, ele dá um carro importado para o pastor. Isso eu vi acontecer várias vezes. O pastor gosta de receber esses presentes. É quando a relação se contamina, se torna promíscua. E o pastor usa a Bíblia para legitimar essas práticas.
ÉPOCA – Você afirma que muitos dos pastores não agem por má-fé, mas por uma visão messiânica...
Marília – É uma visão messiânica para com seu rebanho. Lutero (teólogo alemão responsável pela reforma protestante no século XVI) deve estar dando voltas na tumba. O pastor evangélico virou um papa, a figura mais criticada pelos protestantes, porque não erra. Não existe essa figura, porque somos todos errantes, seres faltantes, como já dizia Freud. Pastor é gente. Mas é esse pastor messiânico que está crescendo no evangelismo. A reforma de Lutero veio para acabar com a figura intermediária e a partir dela veio a doutrina do sacerdócio universal. Todos têm acesso a Deus. Uma das fontes do livro disse que precisamos de uma nova reforma, e eu concordo com ela.
ÉPOCA – Se a igreja for questionada em seus dogmas, ela não deixará de ser igreja?
Marília – Eu não acho. A igreja tem mesmo de ser questionada, inclusive há pensadores cristãos contemporâneos que questionam o modelo de igreja que estamos vivendo e as teologias distorcidas, como a teologia da prosperidade, que são predominantemente neopentecostais e ensinam essa grande barganha. Se você não der o dízimo, Deus vai mandar o gafanhoto. Simbolicamente falando, Ele vai te amaldiçoar. Hoje o fiel se relaciona com o Divino para as coisas darem certo. Ele não se relaciona pelo amor. Essa é uma das grandes distorções.
ÉPOCA – No livro você dá alguns alertas para não cair no abuso religioso.
Marília – Desconfie de quem leva a glória para si. Uma boa dica é prestar atenção nas visões megalomaníacas. Uma das características de quem abusa é querer que a igreja se encaixe em suas visões, como querer ganhar o Brasil para Cristo e colocar metas para isso. E aquele que não se encaixar é um rebelde, um feiticeiro. Tome cuidado com esse homem. Outra estratégia é perguntar a si mesmo se tem medo do pastor ou se pode discordar dele. A pessoa que tem potencial para abusar não aceita que se discorde dela, porque é autoritária. Outra situação é observar se o pastor gosta de dinheiro e ver os sinais de enriquecimento ilícito. São esses geralmente os que adoram ser abençoados e ganhar presentes. Cuidado.

domingo, 28 de junho de 2009

Matéria na revista Cristianismo Hoje

Pastores que oprimem
Adriano era um profissional com futuro promissor. Advogado formado pela prestigiada Universidade de São Paulo, a USP, ele ainda ocupava a função de obreiro na igreja que frequentava. Aspirava ao pastorado – o que, conforme a própria Bíblia, é uma excelente opção para o crente. Fiel ao seu líder espiritual, Adriano costumava seguir seus conselhos e determinações à risca, entendendo que desta forma estava agradando a Deus. Chegou a fazer um voto público de lealdade ao dirigente. “Ele fazia uma espécie de mantra em torno do versículo que diz que quem honra o profeta recebe galardão de profeta”, lembra. Gradativamente, o jovem obreiro passou a negligenciar suas responsabilidades fora da igreja, como o trabalho e o cuidado com a família, tudo em prol daquele seu voto. Submetia-se a condições duras, enquanto o pastor não se furtava a luxos como mesas fartas e carros importados. A mulher e os dois filhos de Adriano acabaram abandonando-o, não suportando o controle exercido pelo pastor sobre sua vida. Frustrado, o advogado fraquejou na fé, envolveu-se com outras mulheres e acabou engravidando uma delas.
A vida do rapaz virou do avesso. Hoje, Adriano aguarda o nascimento do bebê inesperado e preocupa-se com o baixo orçamento e a impossibilidade de rever constantemente os filhos, que vivem com sua ex-mulher. “É uma loucura o dano que meus filhos sofreram por causa disso tudo. Não há indenização que pague o que esse pastor causou em minha vida”, desabafa. Este e outros relatos, verídicos apesar da omissão dos nomes verdadeiros, constam do livro Feridos em nome de Deus (Mundo Cristão), da jornalista evangélica Marília Camargo César. A partir do depoimento de gente que se considera vítima de líderes religiosos autoritários, a autora realiza um estudo sério sobre essa realidade, analisando as diferentes situações envolvidas no círculo de abuso com sensibilidade e propriedade. A obra descreve as diferentes formas que o abuso religioso pode assumir – pastores que dominam suas ovelhas sob o ponto de vista emocional, financeiro e psicológico, quase sempre com consequências ruins. “O líder impõe sua visão de mundo sobre a ovelha, e esta a aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição”, diz Marília (ver quadro).
“O abuso espiritual poderia ser definido como o encontro entre uma pessoa fraca e uma forte, em que a segunda usa o nome de Deus para influenciar a outra e levá-la a tomar decisões que acabam por diminuí-la física, material ou emocionalmente”, define Marília. O problema acontece mais comumente em igrejas pentecostais, onde geralmente o líder tem maior autonomia e pode apelar para elementos empíricos, como supostas profecias ou revelações para legitimar seu domínio sobre a vida dos fiéis. Estabelece-se então uma relação que vai muito além do saudável discipulado bíblico e pode envolver áreas pessoais da vida do crente. “A obediência ao líder não pode ser cega. Todo ensino deve ser confrontado com as verdades bíblicas, para evitar desvios de rota”, adverte o pastor Paulo Romeiro, autor dos livros Supercrentes e Decepcionados com a graça, lançados pela mesma editora, em que aborda, entre outros assuntos, a questão do controle exagerado do rebanho pelos pastores. Para o estudioso, no entanto, um erro não pode justificar outro: “A Epístola aos Hebreus que ordena explicitamente: ‘Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês’”, recita.
“Porta-voz divino” – Quando o círculo do abuso religioso é analisado mais de perto, nota-se que ambas as partes, abusado e abusador, sofrem no processo. A base dessa semelhança está no fato de que, em um dado momento, as duas pontas perderam o controle, sua identidade e a própria dignidade. “Quem exagera no autoritarismo também foi ou está sendo vítima de abuso”, aponta o pastor batista Ed René Kivitz. Ele explica que a figura de um pastor único não tem respaldo do Novo Testamento. “A única vez em que a palavra ‘pastor’ é usada no singular é para se referir a Jesus. Em todas as demais, é usada no plural, para indicar um grupo de anciãos, ou presbíteros, que zela pelo bem-estar de toda a comunidade.” Nesse caso, a autoridade fica dividida entre um colegiado, o que dificulta a possibilidade de haver exageros no controle da obra de Deus e força os líderes a prestarem contas uns aos outros.
Fato é que muito sofrimento poderia ser evitado nas igrejas se os fiéis estivessem mais preparados para reconhecer os abusadores ou o ambiente propício para formá-los. O pastor Ricardo Gondim, dirigente da Igreja Betesda em São Paulo, realizou um estudo expondo algumas características comuns aos pastores abusadores. Entre estas, encontra-se a postura incontestável do líder, o qual passa a ter a palavra final para todas as questões, tornando-se dono da verdade, uma espécie de “porta-voz divino”. “O medo na relação entre o fiel e seu pastor pode ser um sinal de problemas, pois essa relação deve ser permeada de amizade sincera, doação, afeto e solidariedade”, comenta Gondim.
Autoritarismo, manipulação e desrespeito
Autora do livro Feridos em nome de Deus, a jornalista Marília Camargo César falou sobre as dimensões que o abuso espiritual pode ter na vida de fiéis submetidos a lideranças eclesiásticas autoritárias. “Mas é possível identificar o problema e lidar com suas consequências”, diz, nesta entrevista a CRISTIANISMO HOJE:
CRISTIANISMO HOJE – A senhora diz que a motivação para escrever o livro foi um caso de abuso espiritual que presenciou. Fale sobre essa experiência.
MARÍLIA CAMARGO CÉSAR – Não fui, particularmente, machucada por pastores, porque não andava rotineiramente muito próxima deles, embora convivêssemos bem. Mas testemunhei, na vida de amigos próximos, o estrago que o convívio com nossas antigas lideranças produziu. Muitas histórias de abuso começaram a aparecer depois que um dos pastores de nossa antiga comunidade afastou-se por motivo de saúde. Pessoas que caminhavam bem perto daquele líder começaram a contar histórias tenebrosas de abuso de poder, manipulação psicológica e tirania explícita. As vítimas de abuso eram pessoas adultas e com uma boa formação socioeconômica, por isso eu não conseguia entender como haviam se deixado manipular daquele jeito, só tendo coragem de denunciar o que havia depois que ele se afastou.
Qual foi o caso mais grave de abuso que a senhora conheceu enquanto escrevia o livro?
Foi o caso de uma jovem que sofria de uma doença degenerativa rara – miastenia gravis – e que foi simplesmente massacrada por sua congregação porque não alcançou plenamente a cura. Além desse problema, ela foi levada a crer, pelo pastor, que deveria orar e investir num relacionamento afetivo com um rapaz da igreja, situação que acabou lhe causando enorme constrangimento quando ele apareceu na igreja com uma nova namorada. De certa forma, foi bom para ela, porque o embaraço serviu-lhe para mostrar o nível de adoecimento daquela comunidade, o nível de fundamentalismo que praticavam, e isso acabou por abrir os seus olhos. Ela saiu da igreja e, até onde eu sei, não fez parte de nenhuma outra congregação desde então.
Em sua opinião, quais são os principais tipos de abuso espiritual e suas características?
O livro fala de abuso de poder, de abuso financeiro, mas mostra as nuances do abuso que julgo mais sutil e difícil de identificar, mas bastante devastador da mesma forma, que é o abuso de ordem psicológica ou emocional. O líder impõe sua visão de mundo sobre a ovelha, e esta a aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição. O pastor diz, por exemplo, que o discípulo deve casar-se com determinada pessoa, porque teve uma “visão” de que esta era a vontade de Deus para a sua vida. Não importa que não haja, a princípio, nada em comum que possa unir aquele casal. E o fiel obedece. O pastor fala para uma mulher que apanha sistematicamente de seu marido que ela deve fidelidade a ele, porque isso é bíblico. Ou então fala para uma pessoa com uma doença grave que ela ainda não foi curada porque está fraquejando na fé. Todos esses são exemplos reais de pessoas que só se recuperaram emocionalmente após muitas horas de psicoterapia. E, claro, após deixarem essas igrejas.
E por que as pessoas deixam a situação chegar a tal ponto?
Depois de escrever o livro, compreendi que, quando acreditamos estar sofrendo alguma coisa por amor a Deus, aguentamos as piores humilhações. Aquelas pessoas acreditavam, sinceramente, que estavam sendo disciplinados por profetas do Senhor para o seu próprio bem e crescimento espiritual, quando na verdade estavam sendo é espezinhados emocionalmente.
Como os abusos podem ser evitados?
Maturidade espiritual não é alguma coisa trivial, que se alcance da noite para o dia. É preciso uma longa caminhada, tolerância e paciência; o fiel precisa estar bem acompanhado – e aí se incluem lideranças maduras, com uma boa formação, saudáveis física, psicológica e teologicamente, que possam ensinar um cristianismo autêntico, vivo e não-fundamentalista. É preciso também cercar-se de amigos verdadeiros, que nos apoiem e não fiquem nos julgando quando falamos aquilo que estamos sentindo, por mais horrível que isso possa ser.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Resenha no Valor Econômico, 26/6/2009

Por Paula Montero, para o Valor, de São Paulo26/06/2009
"Feridos em Nome de Deus" - Marília de Camargo César
Editora Mundo Cristão, 155 págs., R$ 19,90
Anna Carolina Negri / Valor
Marília de Camargo César, editora-assistente do "Valor", escreve sobre a cisão que aflige o evangelismo brasileiro
O livro de Marília de Camargo César se apresenta como uma reportagem sobre pessoas que foram desiludidas por seus pastores evangélicos. Nos seis casos que dão sustentação à sua narrativa, podemos perceber características em comum. Com exceção da experiência de Sandra, pastora de origem simples que consegue ganhar projeção e adeptos em outras classes, as histórias privilegiam jovens profissionais com formação universitária e futuro promissor que, após crise pessoal, abandonam o emprego e passam a dedicar-se aos trabalhos da igreja sem receber, em contrapartida, o reconhecimento do pastor e a ascensão esperada na carreira religiosa.
O livro expressa a cisão que aflige o evangelismo brasileiro, separando os protestantes históricos - batistas, presbiterianos e calvinistas - e os pentecostais e neopentecostais. Em quase todos os casos os personagens têm formação religiosa mais tradicional, na qual a salvação depende do perseverar em uma vida íntegra, e foram em busca de uma religiosidade mais alegre e emocional, em que encontraram provisoriamente conforto para suas emoções. A questão que move o relato é a perplexidade da autora diante do fato de que pessoas de boa formação e capazes de espírito crítico se tenham colocado nas mãos de pastores pentecostais, abandonando a autonomia pessoal.
Para responder a ela, o texto recorre a vozes de numerosos especialistas, preponderantemente teólogos e pastores, todos "escolhidos por sua boa reputação", esclarece a autora, e ligados ao protestantismo histórico. O que é interessante nos relatos desses experts é a tentativa de construir uma figura parajurídica para definir o que fazem os pastores pentecostais: o "abuso espiritual". Espelhado na categoria jurídica de "assédio moral", o "abuso espiritual" é definido como "o encontro de uma pessoa forte com uma fraca, em que a forte usa o nome de Deus para influenciar a fraca e levá-la a tomar decisões que acabam por diminuí-la física, material ou emocionalmente".
Na prática, isso significa devoção e obediência sem questionamentos ao pastor e ser manipulado para doar bens e valores ou trabalho sem contrapartida. Está implícita nessa definição que seria necessário regular os limites éticos dessas doações como fazem as empresas.
Na tentativa de compreender por que o pentecostalismo, apesar disso, se expande em todas as camadas sociais, em detrimento do protestantismo histórico, os teólogos apontam para seus aspectos mágicos e proféticos. Para o pastor Ed René Kivitz, que dirige a Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, em muitas igrejas pentecostais os pastores se tomam por profetas, mediadores entre os homens e Deus. A atmosfera mística dos cultos, com pregações contundentes e orações em línguas estranhas, estimula essa percepção. Com certa acuidade, Kivitz percebe que o pentecostalismo e, em seguida, o neopentecostalismo "abrasileiraram" o protestantismo histórico; o pentecostalismo recuperou o profetismo que alimentou tantos movimentos religiosos desde o fim do século XIX no Brasil, atraindo, assim, egressos do catolicismo; em um segundo momento, o neopentecostalismo se apropriou das forças mágicas das religiões afro-brasileiras e fez do exorcismo e da possessão elementos centrais dos rituais de cura, atraindo pessoas de todos os horizontes.
Nesse sentido, essas igrejas são uma pedra no sapato dos protestantes históricos: envergonham uma fé orientada para a autonomia individual, boa formação teológica de pastores e fieis e, sobretudo, para uma leitura da "Bíblia" sem intermediários da palavra. Ressentem-se com o fato de que a carreira de pastor virou sinônimo de oportunismo e picaretagem.
O mais interessante aqui é que, na tentativa de formular uma figura jurídica que possa ser útil para impor regras que controlem a autonomia religiosa desses pastores, lançam mão de categorias que o Estado brasileiro e a Igreja Católica usaram para criminalizar as práticas de cura de feiticeiros e pais de santo até o século XX: idolatria, falsa doutrina, fanatismo e charlatanismo. Com o tempo, essas práticas foram aceitas como parte da cultura brasileira e de sua variedade religiosa. Por que, então, os pentecostais incomodam? Não há aqui resposta simples. Mas é claro que a associação entre misticismo, magia e meios sofisticados de comunicação engendrou poderosa máquina de arrecadação financeira. E nossa tradição católica ensinou que dinheiro e religião não combinam. Seu relato esclarece, em parte, uma tendência já bem consolidada pelos estudiosos do tema: a desinstitucionalização da religião.
Paula Montero é professora titular da USP e presidente do Cebrap

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Promovendo a cura

Obrigada a todos pelas palavras de incentivo. Espero sinceramente que o livro ajude a promover a cura. São muitas pessoas que se identificam com os relatos, é uma pena que isso esteja acontecendo. Espero vcs no dia 30, na livraria Cultura do Villa Lobos. Aproveito para informar que a revista Cristianismo Hoje traz uma boa matéria sobre o assunto. Abs, Marília

terça-feira, 23 de junho de 2009

Convite Especial de Lançamento dia 30/06/2009


No dia 30 de junho acontecerá na Livraria Cultura do Shopping Villa Lobos, na capital paulista, o lançamento e noite de autógrafos de Feridos em nome de Deus. No livro, apresento inúmeras histórias de cristãos que foram emocionalmente machucados e tiveram sua fé abalada em razão do convívio desvirtuado com pastores, líderes e até mesmo outros membros dentro da igreja.